Lula: “parte da humanidade (...) escravizada pelo Estado...pela ideologia marxista”
“Lula já rejeitava o marxismo em seu discurso de posse no Sindicato dos Metalúrgicos, em 1975. Ele disse literalmente que "parte da humanidade havia sido esmagada pelo Estado, escravizada pela ideologia marxista, tolhida nos seus mais comezinhos ideais de liberdade, limitada em sua capacidade de pensar e se manifestar".
“A herança de Marx não diz respeito à teoria econômica comunista ou a seu socialismo científico. Ambos produziram enormes desastres econômicos e sociais”
[os economistas]“Acham que as pessoas votam em fascistóides mentirosos – e é isso o que Chávez é – só para ficar alegres por um período enquanto são enganadas. A Bolívia é um caso típico.”
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Veja – Delfim, a mais completa tradução de... Lula!
Poucos políticos ganharam tanto vigor depois de uma derrota eleitoral quanto o deputado Delfim Netto. Sua influência em Brasília só cresce desde que perdeu, em outubro passado, o que seria sua sexta eleição consecutiva para a Câmara dos Deputados.
O motivo? Delfim caiu no gosto do presidente Lula, que o considera um amigo e quer nomeá-lo para um cargo no governo. Lula cita sua proximidade com o ex-superministro do regime militar como sinal de que caminha para a direita e que, portanto, amadurece.
Já Delfim, que tem elogiado enfaticamente o esforço do governo para distribuir renda, enalteceu em artigo recente o legado teórico de Karl Marx, o que foi visto com desconfiança pelos seus adversários.
Em entrevista a VEJA, Delfim diz que suas opiniões não sinalizam uma mudança de convicções, mas "um esforço para conciliar a aritmética econômica à realidade política". Ele também diz que os economistas se esquecem das urnas e, por isso, não entendem a vitória eleitoral de populistas na América Latina. "A eleição de Evo Morales na Bolívia é um caso típico. O Banco Mundial e o FMI publicaram dezenas de livros sobre as virtudes do equilíbrio boliviano. Mas esqueceram os índios."
Veja – O senhor escreveu um artigo defendendo o legado teórico de Karl Marx. Foi uma tentativa de agradar a seus novos amigos petistas?
Delfim – Claro que não. Só os incautos poderiam acreditar que o presidente algum dia cedeu aos flertes do marxismo. Lula já rejeitava o marxismo em seu discurso de posse no Sindicato dos Metalúrgicos, em 1975. Ele disse literalmente que "parte da humanidade havia sido esmagada pelo Estado, escravizada pela ideologia marxista, tolhida nos seus mais comezinhos ideais de liberdade, limitada em sua capacidade de pensar e se manifestar". Lula não precisa de guru nem de agrado, ele tem uma inteligência absolutamente privilegiada e uma intuição muito superior à da maioria dos intelectuais que conheço. De vez em quando ele me convida para um café e eu me sinto honrado. É isso.
Veja – Lula então é menos marxista que o senhor?
Delfim – Nem mais nem menos. O que escrevi é que, tendo ou não tendo lido a obra de Marx, somos todos marxistas, exatamente como somos neoliberais, cartesianos, espinosianos, kantianos, keynesianos, freudianos ou einsteinianos. Ou seja, poucos leram esses autores, mas todos fomos influenciados de uma forma ou de outra por suas obras. A herança de Marx não diz respeito à teoria econômica comunista ou a seu socialismo científico. Ambos produziram enormes desastres econômicos e sociais. Refiro-me ao legado antropológico, à idéia de que o homem se faz pelo trabalho. O velho Karl constatou, antes mesmo do surgimento do mercado, que a liberdade e a igualdade são incompatíveis. Que o homem livre naturalmente produz a desigualdade.
(...)
Veja – Em que medida o Programa de Aceleração do Crescimento assegura o crescimento?
Delfim – O plano não tem grandes novidades. A maior parte dos projetos de infra-estrutura nele previstos está parada desde 1997. O mérito do plano foi recuperar um projeto de desenvolvimento econômico e procurar acender o espírito animal dos empresários. O setor privado precisa de duas garantias para investir: a de que haverá crescimento e a de que não faltará energia. Se houver essas duas garantias, os investimentos virão. Veja o caso do complexo hidrelétrico Belo Monte, no Rio Xingu. Por mais nobre que seja a questão indígena, é absurdo exigir dos investidores que reduzam pela metade a potência de energia prevista num projeto gigantesco porque doze índios cocorocós moram na região e um jesuíta quer publicar a gramática cocorocó
em alemão. Com o plano, o presidente tenta abordar essa e outras questões. Mas existe uma lista enorme de emergências no setor público. Não dá para fazer tudo ao mesmo tempo.
(...)
Veja – Se o objetivo do governo Lula é recuperar a confiança dos investidores, por que cancelou o leilão de novas concessões em rodovias e postergou a reforma da Previdência?
Delfim – O governo não cancelou os leilões nem desistiu de fazer concessões ao setor privado. Essa idéia falsa foi criada por investidores que queriam introduzir volatilidade no mercado para ganhar dinheiro. Os leilões foram adiados para que as taxas de retorno dessas atividades se adaptem a uma nova realidade de juros mais baixos. Nada de mais.[/i]
Veja – Por que o senhor não criticou o governo por ter desistido de fazer a reforma da Previdência?
Delfim – É preciso fazer as coisas pelo ponto de menor resistência. E não dá para fazer todas as reformas ao mesmo tempo. Uma reforma previdenciária só teria efeito em quarenta anos. É mais coerente manter o equilíbrio fiscal, garantir uma redução monotônica da relação dívida-PIB e garantir a oferta de energia pela próxima década. As contas da Previdência têm problemas sérios, mas essa idéia de que se podem cortar direitos é um sonho. Não se corta no Brasil e em nenhum lugar do mundo. A não ser que o político se eleja para cortar. Na minha opinião, a mensagem que Lula recebeu do eleitorado foi a seguinte: eu quero crescimento com distribuição de renda. Esse é o mandato do Lula.
Veja – Mas o bom estadista não é aquele que diz a verdade aos eleitores, por mais difícil que ela seja?
Delfim – Desde que ele diga isso antes da eleição, não depois. E, se disser, tenho uma pequena suspeição de que não será eleito. O Nakano (o economista Yoshiaki Nakano, que assessorou Geraldo Alckmin na campanha eleitoral) foi o único sério em todo o processo eleitoral do ano passado. Ele pensou que estava na Irlanda, decidiu falar a verdade com relação aos cortes necessários de gastos e foi execrado, defenestrado. O que ele falou está correto sob o ponto de vista econômico, mas tem um pequeno problema político. Economistas em geral não entendem nada de urna.[/i]
Veja – Como assim?
Delfim – Suas fórmulas não fecham porque eles não levam as urnas
em consideração. Eles pensam que o Evo Morales, o Chávez e o Ortega são acidentes. Acham que as pessoas votam em [b]fascistóides mentirosos – e é isso o que Chávez é[/b] – só para ficar alegres por um período enquanto são enganadas. A Bolívia é um caso típico. Foi o exemplo mais brilhante de estabilização, feito por Jeffrey Sachs. O Banco Mundial e o FMI publicaram dezenas de livros sobre as virtudes do equilíbrio boliviano. Mas esqueceram os índios. Só perceberam quando as urnas foram abertas. Na urna, mesmo a mais brilhante ou rica personalidade vale tanto quanto o mais desvalido dos desempregados.
Veja – Na urna também cabem mentira, populismo e autoritarismo.
Delfim – É verdade, mas a urna só fala errado quando o economista e o político pensaram errado antes. Só depois que eles falharam em conciliar a aritmética econômica com a realidade política.
(...)
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